quarta-feira, 23 de maio de 2007

Liberdade: um estudo de caso (II)

Tanto quanto pude apurar domingo não houve notícias sobre o caso do professor alvo de um processo disciplinar porque "insultou" o primeiro-ministro, ou "fez um comentário jocoso" sobre o mesmo. O assunto só foi aquecido por um comentário de Vasco Pulido Valente no Público:
Posto isto, não há nada que se diga ou não diga sobre o assunto [licenciatura de Sócrates] que de longe ou de perto mereça o nome de “insulto”. Vi por aí T-Shirts , com este dístico: “Não andei na Universidade com Sócrates”. São um insulto? Se Cavaco desta vez se cala, aprova a delação colectiva como método político (quem não discutiu a história da licenciatura? Quem não se riu?) e a pena administrativa como represália legítima do Governo. Mário Soares não se calava. Jorge Sampaio também não. A responsabilidade final, de resto, está em Belém.


O Jornal de Notícias de segunda-feira dava conta que o PSD iria enviar um requerimento à ministra da Educação para tentar perceber o que levou à suspensão e publicava uma pequena carta a José Sócrates de Francisco José Viegas:
Seja como for, acho que a directora da DREN se excedeu. Foi mais papista do que o papa e causou-lhe, a si, um problema: o de poder passar a haver despedimentos por "delito de opinião", o que é muito grave. O senhor dirá que não se trata de um despedimento mas, na pobre linguagem da pequena política, já se sabe que não basta "ser" - é também necessário "parecer". Ora, isto parece, exactamente, "delito de opinião".
Este assunto pode vir a ter consequências piores para a imagem do actual governo que o caso da licenciatura. Enquanto a licenciatura não afectou materialmente outras pessoas e até foi desvalorizada pelo espírito "desenrasca" e "cunha" de muitos portugueses; a suspensão parece prejudicar o professor e, pior, foi originada por uma acção odiada por quase todos: a denúncia — há pessoas que não conseguem telefonar às autoridades quando há barulho às 2 da manhã, por vergonha da denúncia.


Terça-feira foi parca em notícias sobre o assunto: apenas um resumo dos acontecimentos no Jornal de Notícias onde era dada uma versão benévola da origem de toda a discórdia:
— Se precisares de um doutoramento tens que enviar por fax.


Hoje o assunto continua no Jornal de Notícias com o pedido de esclareci­mentos sobre o processo disciplinar por parte do provedor de Justiça (também no Público) e vai rebentar no Correio da Manhã e no Diário de Notícias. O primeiro publica nova versão da frase polémica, "confirmada ao CM por fonte oficial":
— Estamos num país de bananas, governado por um filho da p... de um primeiro ministro.

O Diário de Notícias tem, finalmente, quatro artigos na rede. Enquanto a Ministra recusa ir ao Parlamento alegando "autonomia" da DREN, a oposição parlamentar considera o caso uma tentativa de limitação da liberdade de expressão e o governo admite que a decisão foi contraproducente e negativa do ponto de vista político. Além de uma caracterização do professor e uma opinião ligeira temos o que eu mais esperava: os especialistas em direito administrativo (negritos meus):
O constitucionalista Jorge Miranda não conseguiu mesmo esconder a sua indignação com o comportamento de Margarida Moreira, chegando ao ponto de dizer que "quem deveria ser demitido era a directora regional".
Para o professor da Faculdade de Direito de Lisboa, "houve um delator, o que é uma coisa profundamente triste", desabafou. Jorge Miranda entende que "o princípio constitucional da liberdade de expressão não pode ser posto em causa dentro da administração pública". E, acrescenta, "se houve injúria ou difamação, a questão tem de ser resolvida em tribunal e nunca por via administrativa".
A questão da delação foi também vincada por Pedro Lomba. "A responsável ordenou a suspensão preventiva a partir de um testemunho indirecto, o que me parece muito grave num processo de avaliação de culpa". Para este especialista em direito constitucional e administrativo, a suspensão preventiva é "claramente desproporcionada", já que se destina a falhas muito graves dos funcionários, o que "não é manifestamente o caso". Além disso, "é muito discutível que estejamos perante uma infracção disciplinar, que implicaria uma violação dos deveres profissionais".
O advogado Paulo Veiga e Moura, que publicou um livro sobre os direitos e deveres dos funcionários públicos, também condena a sanção aplicada a este professor. Apesar do funcionário público "não ser um indivíduo qualquer, também não é estéril do ponto de vista cívico e político". Assim, se por um lado os trabalhadores do Estado devem aceitar uma limitação da sua liberdade de expressão enquanto desempenham as suas funções, por outro lado, esta contenção só é exigível quando possa estar em causa "um prejuízo para a qualidade ou prestígio do serviço público". Ora, uma simples piada não ameaça o correcto funcionamento do serviço, conclui.
Quase todas as opiniões apontam para o mesmo final: muito dificilmente o professor será considerado culpado. Fica a pergunta: e a directora? Quanto ao delator já sabemos: na melhor das hipóteses vai perder o respeito de quase todos os colegas.

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